O que diz a lei que polemizou o mercado ao definir cotas de programação nacional nos canais por assinatura
POR BRUNA AGUIAR E GABRIELA PANTALEÃO
No último mês de março, a Agência Nacional de Telecomunicações bateu o martelo e aprovou definitivamente a lei que deve trazer profundas alterações no mercado audiovisual do país. A Lei da TV Paga, como ficou conhecida, estabelece cotas obrigatórias de produção nacional nos canais por assinatura, e permite a entrada das empresas de telefonia nos serviços de distribuição de sinais de televisão. No fim do ano passado, o texto já havia sido aprovado no Legislativo, depois de mais de cinco anos de discussão. Agora, aguarda apenas regulamentação da Agência Nacional do Cinema, a Ancine, que será a responsável pela fiscalização da lei.
Segundo as novas regras, haverá um processo gradativo de aumento da cota nacional, que inicialmente deverá ocupar 70 minutos da grade semanal. Até 2014, no entanto, essa fatia aumentará para três horas e meia nos canais que forem considerados qualificados para tanto, o que corresponde a pouco mais de 2% da programação. Ainda de acordo com o texto, pelo menos metade desse tempo deverá ser composto por atrações de produtoras independentes.
A Globosat, uma das gigantes do ramo, já tem acordo com mais de cem produtoras brasileiras independentes. Segundo o responsável pela distribuição da empresa, Fernando Ramos, o grupo usará essa relação com os produtores para cumprir a regulamentação. “Tudo vai acontecer de forma planejada e de acordo com a gradualidade estabelecida pela lei”, explicou. Canais como GNT e Multishow já estão preparados para as mudanças, uma vez que suas grades já contam com diversos programas nacionais. Os grandes afetados serão aqueles com conteúdo praticamente todo estrangeiro, especialmente canais de filmes, séries e animações. O TNT e o Cartoon Network já vêm investindo em conteúdo brasileiro há algum tempo. Já o Boomerang, voltado para adolescentes entre dez e dezessete anos, aposta em reality shows como o Temporada de Moda Capricho, que já teve três edições.
Emissoras mais ligadas a programas de humor, como a Warner, também tentam encontrar soluções. Mas a tarefa não parece ser fácil, já que o Brasil tem um estilo humorístico bem diferente do que aparece em séries tradicionais como Friends e Two and a Half Men. Para os canais repletos de seriados, no entanto, não haveria sentido criar variantes brasileiras de séries como House ou Law & Order, pois o investimento seria injusto, se comparado com os orçamentos de bilhões de dólares de que já dispõem essas produções em suas versões originais. À exceção do espectro de TV aberta e dos programas e canais esportivos e jornalísticos – que não entram na lei –, cada canal vai ter liberdade para escolher que obras nacionais irá veicular e a que horas, desde que seja dentro do horário nobre.
Além disso, nos pacotes de TV por assinatura, a cada três canais oferecidos pelas empresas, um deverá ser nacional. “A regulamentação prevê também um fundo de financiamento às produções brasileiras, que tem como principal objetivo suprir as novas demandas dos canais por assinatura que ainda não produzem conteúdo nacional suficiente”, explicou o professor da Eco Marcos Dantas, que foi um dos colaboradores do texto da lei. Ele acredita que, com a entrada em vigor, será possível tornar a televisão por assinatura um espaço plural e que estimule a produção audiovisual nacional. De fato, os países que são referências mundiais no setor, como os Estados Unidos, já possuem leis do tipo. “Estávamos atrasados em compreender a importância de regular o audiovisual de forma mais completa e eficiente”, apontou.
Por isso, é esperado ainda um forte impacto no mercado de trabalho do setor, já que a demanda por profissionais da área, entre roteiristas, produtores e artistas, também deverá crescer. Na prática, a lei é a primeira experiência de um marco regulatório convergente para a comunicação audiovisual no Brasil. “Para mim, é um grande orgulho ter participado da formulação de uma lei como esta, que pode servir de modelo para um futuro marco regulatório brasileiro do audiovisual como um todo, um que seja adequado às condições e demandas do setor”, afirmou o professor.
Outro benefício esperado para o público será o barateamento do acesso à televisão por assinatura, que deve, portanto, atingir uma parcela maior da população. Como as empresas de telefonia passam a poder oferecer o serviço, espera-se que o aumento da competição leve a uma queda nos preços. De fato, as empresas de telecomunicações se adiantaram e já oferecem contratos de TV. Gigantes no mercado como a Claro e a GVT, que antes só vendiam pacotes de internet e telefone, também passaram a disponibilizar a novidade a preços bastante acessíveis.
O grupo Sky, um dos maiores distribuidores do país, fez uma campanha para que o público protestasse contra a Lei da TV Paga. Produziu um vídeo estrelado por atletas de equipes patrocinadas por ela própria. “Esse assunto é relevante para a sociedade, pois é o início de uma grave intervenção nos meios de comunicação”, diz o jogador de vôlei Giba na gravação. A empresa afirma que há uma intromissão do poder público na liberdade de escolha do consumidor. No Legislativo, por sua vez, o principal partido de oposição à aprovação da lei foi o Democratas. Um de seus principais argumentos diz que as novas atribuições de regulação, fomento e fiscalização delegadas à Ancine são inconstitucionais por configurarem um controle excessivo do executivo na esfera privada. Porém, segundo sustentou o consultor jurídico do Ministério das Comunicações, José Flávio Bianchio, “o serviço de comunicação audiovisual de acesso condicionado é um serviço público delegado para ser executado nos termos e condições estabelecidos pelo ente detentor da titularidade”.
Em meio à polêmica generalizada aberta pela aprovação da lei, o presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV, Marco Altberg, tranquilizou os telespectadores, dizendo que nada vai mudar da noite para o dia. “É como se estivéssemos iniciando um novo momento no negócio de TV por assinatura”, explicou em entrevista à Revista da TV. Ele acredita que estamos diante de uma chance de fazer uma programação de conteúdo brasileiro voltada também para um novo consumidor, da classe C. Resta esperar que o tempo traga as respostas.