Hesitei bastante em escrever este texto. Hesitei por duas razões. Primeiro, porque eu não queria que soasse como um manifesto tardio pela greve de docentes universitários que se estende desde maio, justamente quando a questão fundamental sempre me pareceu outra. Segundo, porque descobri no decorrer da greve o quanto o “campo” de nossa “categoria” está “minado”. A imagem necessita ser explicada, mas posso logo dizer o motivo pelo qual uso o termo “descoberta”. Descobri sim. Pois, afinal, sou um professor novo na universidade pública brasileira, e que passou muitos anos fora. Eu não estava a par do que se passava por aqui. Não sabia como as mudanças pelas quais passa a sociedade capitalista haviam refletido sobre a categoria de docentes universitários brasileiros. Hoje vejo que o primeiro efeito foi típico: fragmentar a categoria, desviar o foco para individualizar, de modo que doravante teremos que usar aspas – “categoria”. Segundo efeito: como indica o filósofo Michel Foucault, junto com as novas relações de poder - concretas e heterogêneas - que se colocam (no caso a fragmentação) vem o discurso que as organiza e busca legitimá-las. E aí surge o que chamei de “campo minado”. Domina entre nós o discurso da competência individual como solução de tudo, do pesquisador que deve competir por fomentos e bolsas e publicar qualquer coisa em vez de se preocupar com esta entidade “abstrata” chamada universidade. Como dizia um comentador, atualizando Foucault: “está em construção uma concepção que postula a existência de uma relação independente entre organização e indivíduo”. No caso da universidade, usa-se apenas uso o rótulo “UFRJ” para perseguir uma carreira individual “meritória”.
Não entrarei nos detalhes sobre isso. Seria longo e deprimente. Quero falar da greve, de sua importância. Pois bem, sua importância já aparece neste fato de que nos permite enxergar o que expus acima. Estamos fragmentados e com um discurso individualista de produtividade que abandona a universidade, e também sua relação com a sociedade.
Mas há muito mais. A greve é um recurso fundamental para conseguir pressionar o empregador para realizar as mudanças que os empregados desejam. É evidente que greves devem ser pensadas dentro do contexto histórico e segundo a categoria de trabalhadores. Mas recusá-las como “coisa de operário” me parece um equívoco grave. Porque o que está em jogo é um modo de pressionar e é certo que o empregador (qualquer que seja) não quer desistir (pelo menos não em princípio) de manter a atividade que promove. No nosso caso de docentes universitários brasileiros em 2012, o governo atual pretende, sim, que haja universidade pública. E quando paramos, ele sente sim. Talvez não no começo, talvez somente ao cabo de muita mobilização e barulho. Mas sente. E a greve que agora chega ao seu impasse também tem sido importante por isso. Além de revelar nosso “campo minado”, revelou o governo desenvolvimentista que temos e mostrou à sociedade a insatisfação de docentes e alunos. Portanto, parte da sociedade entendeu. Se a mídia não cobriu, pior pra ela. Um tiro no pé seria pautar nossas ações pelo que a mídia brasileira cobre ou deixa de cobrir. É preciso pressionar, mesmo que sejamos derrotados do ponto de vista objetivo.
De resto, sejamos maquiavélicos no sentido afirmativo do termo. O que perdemos efetivamente com a greve? Dinheiro? Não. Afinal o governo, comprovando que se importa minimamente com a categoria, não corta o ponto. Melhor assim. E não “pior assim”, como alardeiam os moralistas de plantão. Perdemos tempo? Não. Ganhamos. Ganhamos tempo porque avançamos ética e politicamente. Os envolvidos já enxergam melhor. Mesmo os nossos alunos, que os moralistas chamam de “os mais prejudicados”. Parte da sociedade também enxerga.
Alguém poderia vir dizer: “mas objetivamente perdemos”. Porém, nem isso é verdade. Houve ganhos, mesmo que a serem implementados ao longo do tempo, aos trancos e barrancos. E este é o terceiro ponto pelo qual esta greve tem sido importante. Objetivamente, traz conquistas, força a que se reinvente o que está fora de moda: a negociação por pressão. E, como eu tentei dizer aos meus alunos no início da greve, se a negociação ficar aquém do desejável, tudo bem. É preciso saber perder também. Mas creio que uma eventual perda só se dará porque estamos apenas recomeçando. Precisamos de muitos ensaios de pressão. A greve não é o único meio – uma quarta lição da greve. Mas é um meio importante, para toda e qualquer categoria, mutatis mutandi.
Sim, talvez seja hora de imaginar novas formas de luta. Deixemos novas greves para momentos outros. Podemos passar para a sala de aula... Aulas sobre a universidade que queremos e sobre como criá-la sendo ainda frágeis diante de um governo como o que aí está. Podemos passar para o bloqueio de novos ingressos. O governo fica sem seus números.
Entretanto, acima de tudo, precisamos saber que nosso campo está “minado”. Precisamos remover as “minas”. Caso contrário, não conseguiremos avançar. E o governo e parte da sociedade podem, com isso, continuar achando que universidade é isso mesmo: professores trabalhando pouco para a universidade, mas ganhando bem por fora, com seus fomentos, consultorias e bolsas; uma universidade largada (sem campi decentes, sem restaurante e alojamento, que não consegue usar um espaço como o Canecão), mas “decorada” pela Petrobrás no Fundão, e com seus containers e equipamentos bonitos, trancafiados em salas.
Acho que enumerei quatro pontos importantes. Quatro lições. Por enquanto.