Ativo aos 80 anos, Alberto Dines defende o diploma e duvida do fim do jornal impresso
POR GUILHERME MELO
Em traje esporte fino e com humilde elegância, não entrara pelas portas do Salão Pedro Calmon um simples idoso, a julgar pelo prateado dos poucos cabelos e a testa franzida. Aos 80 anos de idade, Alberto Dines viera prestigiar outro gênio do jornalismo naquela tarde de abril: Muniz Sodré. Depois de uma mesa sobre estudos da mídia, na semana que homenageou o intelectual, Dines concedeu uma entrevista exclusiva ao Ecos.
Com quase 60 anos ininterruptos de profissão, salvo os breves períodos em que esteve preso pelo regime militar, Dines começou trabalhando como crítico de cinema, até que passou a cobrir cultura. Depois de trabalhar como repórter, fotógrafo, editor e assistente de direção, foi convidado para ser editor-chefe do Jornal do Brasil, em 1962. Foi lá que se consolidou como um dos grandes nomes das transformações da imprensa brasileira na segunda metade do século XX.
No JB, introduziu inovações que hoje parecem banais, como as editorias, o arquivo e o departamento de pesquisa. Atualmente, no Observatório da Imprensa, analisa e critica o papel e os rumos do jornalismo, sem medo das repercussões negativas entre os colegas de profissão. O slogan do projeto resume a experiência: “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”.
O senhor foi professor da Columbia University e da Puc-Rio. Como o senhor avalia o ensino de jornalismo no Brasil hoje?
Com o fim da obrigatoriedade do diploma perdeu-se certo entusiasmo. O que tem acontecido é que o jornalista forma-se, vai para o mercado e nunca mais volta para a academia. E aí fica com todos os vícios. Se ele pode voltar para a academia e reciclar-se, é extremamente positivo. Essas tentativas de criar cursos de mestrado profissionalizante são iniciativas boas que reforçam a formação humanista.
No livro O papel do jornal, o senhor defende o diploma de jornalismo. Ainda mantém a posição?
Sempre fui favorável ao diploma e lutei por isso. Jornalismo é profissão e não sei como será a volta disso, pois a decisão do Supremo não pode ser revogada. De qualquer forma, nós temos o problema da formação. O ensino sempre foi muito fraco, inclusive no nível de exigência dos alunos, que aceitavam esse ensino fraco. O professor finge que está dando uma boa aula e o aluno aceita.
Como o senhor avalia a censura na imprensa contemporânea?
A censura não acabou. Ela está com outro nome. No domingo passado [15 de abril], fui demitido do Jornal do Commercio por censura. Existem assuntos tabus que você não pode defender. Eu tinha sido advertido por insistir em falar da mentira que é o Estado laico brasileiro, até que domingo tive a comprovação de que aquilo não podia continuar.
Fala-se muito da crise do impresso. O senhor acredita no fim do jornal de papel?
Isso é discutível. Para o Brasil, esse fim não está tão próximo, temos ainda uns 30 ou 40 anos. Há ainda um grande espaço a ser conquistado pelo impresso. Nos últimos cinco anos, percebe-se o sucesso da chamada imprensa popular, por exemplo. A classe C quer ler, ela precisa se sentir valorizada, e ler jornal é status no Brasil. Isso tem que ser aproveitado. Por isso, nossa perspectiva é totalmente diferente da dos Estados Unidos ou da Europa. Não acredito no fim do jornalismo tradicional.
E em relação às potencialidades que a internet oferece?
Acredito que vamos ter fórmulas híbridas. A revista The Economist faz uma mistura bastante boa. Na própria revista semanal, há pautas permanentes que estão sendo tratadas na versão digital. Há um diálogo entre os meios.
Em 1996, um laboratório da Unicamp criou o Observatório da Imprensa, que hoje é referência no debate da mídia. O que o senhor acha de iniciativas como a do Ecos?
O que nos levou a criar o projeto foi o fato de não existir mais empregos prontos, você tem que criar a sua oportunidade. Antigamente, você era convidado, as coisas estavam armadas. Hoje mudou. É você quem tem que criar o seu emprego, perceber a sua brecha. Vocês perceberam que existia uma oportunidade e uma necessidade e preencheram essa demanda. É por isso que não está em crise. Enquanto houver demandas, temos que descobrir como atendê-las.