quinta-feira, 21 de junho de 2012

O poder é o próprio povo

POR MILTON SANTOS (*)

A tenda estava praticamente vazia, ocupada apenas por poucas pessoas que tomavam o café previamente combinado. Um violão e uma voz rouca ao fundo deram o contorno do início da mesa “O poder popular na América Latina: experiências e expectativas para o século XXI”, parte das atividades autogestionadas de articulação da Cúpula dos Povos. Visivelmente alegre, o venezuelano Miguel Medina, da Red Nacional de Comuneros y Comuneras, apressou-se para contar a experiência de seu país com a criação das comunas venezuelanas. “As comunas são instâncias que, diferentemente de linhas físicas rígidas como a divisão em estados e municípios, agregam comunidades menores de modo a atender suas necessidades de forma mais direta, com assembleias periódicas”, explicou. Para ele, trata-se de um modo de intensificar a participação popular na democracia venezuelana.


Carmem Silva, da Plataforma pela Reforma do Sistema Político Brasileiro, enfatizou os enclaves gerados pela democracia representativa brasileira. “Enquanto não houver uma ampliação na representação das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos LGBTs, da população do campo e das periferias urbanas, o poder não estará efetivamente em prol do povo.” Para a educadora, a real democratização das instâncias políticas passa por reformas na legislação eleitoral, como o fim do financiamento privado de campanhas, que cooperaria para o clientelismo dentro das esferas de poder.

“A emancipação dos oprimidos será obra deles mesmos”, sentenciou o venezuelano Gustavo Borges, do Colectivo de Comunicación Popular el23.net – frase retirada de um muro em seu país. Estampado em sua camisa, Gustavo relembrou um dos maiores símbolos atuais de insurgência popular na América Latina: o Caracazo. Ocorrido em fevereiro de 1989 em Caracas e nos arredores da cidade, o Caracazo foi um episódio de grande revolta popular originado pelas políticas neoliberais do governo Carlos Andrés Pérez, contra medidas de austeridade como o aumento do preço do transporte coletivo. As revoltas foram duramente reprimidas por setores militares, resultando na morte de milhares de pessoas. “Só o povo salva o povo”, disse – outra frase presente em diversos muros venezuelanos. Para Borges, ela explica a guinada popular que não só a Venezuela, como boa parte da América Latina, teve após o episódio.

Os palestrantes levantaram também a situação brasileira nesse processo. “Assim como boa parte dos grandes acontecimentos históricos de nosso país, a democracia no Brasil é um mix de concessão e de transição segura sob os olhos atentos das elites verde-amarelas”, analisou José Antônio Moroni, da Plataforma Pela Reforma do Sistema Brasileiro. “A falta de uma Constituição essencialmente democrática impede alçadas mais generosas na representação popular, como aconteceu na Venezuela, na Bolívia e no Equador”, completou. Por outro lado, Silvio Caccia Bava, da Le Monde Diplomatique Brasil, enfatizou o caráter eminentemente libertário presente nas novas formas de fazer democracia na América Latina – o que chamou de “a primeira grande Primavera contemporânea”.


* Milton Santos é ex-aluno do Cap UFRJ e está prestando vestibular para Medicina
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