João Felipe Scarpelini, consultor da Unicef |
Passados vinte anos desde a realização da Eco-92, muitos dos pontos propostos pela Agenda 21 ainda não foram cumpridos. De acordo com Kiara Worth, a conscientização da sociedade civil sobre desenvolvimento sustentável foi a principal mudança, o que poderá contribuir para que novas propostas sejam feitas e as metas da Agenda 21 sejam reforçadas. “Uma das principais vitórias e que as pessoas esquecem, foi a popularização do conceito de desenvolvimento sustentável. Há vinte anos, falar na necessidade de um balanço econômico, político e social era algo que ninguém imaginava. Hoje em dia, todo mundo sabe disso e já podemos discutir como implementar”, explicou Kiara.
Ativista desde os 13 anos, João Scarpelini vem atuando em vários projetos voltados para a juventude em mais de 40 países e, há um ano, entrou para o Major Group for Children. “É um desafio enorme organizar um grupo de voluntários não só do Brasil, mas do mundo inteiro, para um único evento. Cada um trabalha em um lugar do mundo, os fusos horários são diferentes e temos que conciliar tudo. A maioria das nossas reuniões acontece em horários estranhos e em línguas diferentes. Para mim, enquanto brasileiro, um dos maiores desafios é fazer com que os jovens do Brasil consigam participar desse processo, mesmo sem falar o idioma”, explicou.
A Youth Blast, realizada doze dias antes da abertura oficial da Rio+20, trará mais de 2 mil jovens do mundo inteiro para pensar e elaborar um documento, que será levado para a conferência oficial. De forma independente, esses jovens procuram melhorar o que está sendo discutido e propor soluções específicas para os problemas. Espalhados pelas principais capitais mundiais e em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro, eles se reunirão para pressionar os líderes durante a Rio+20. No entanto, apenas alguns, previamente selecionados, serão responsáveis por levar as propostas, negociar e votar.
Entre os pontos propostos pela Conferência das Juventudes está a defesa de empregos sustentáveis para os jovens e a criação de uma espécie de ouvidoria das futuras gerações, que garanta o cumprimento das leis ambientais por parte dos governantes. “Hoje, se o governo comete um crime ambiental, a gente não tem para quem reclamar. O que queremos é garantir que dentro dessa governança internacional se crie uma plataforma à qual todos os governos tenham que se reportar”, defendeu Kiara.
Para João, ao contrário dos líderes mundiais, muitas vezes afastados dos reais problemas que afetam a sociedade, os jovens não só lidam com essas questões ambientais no seu dia a dia, como muitas vezes têm soluções a sugerir. “Precisamos lembrar constantemente aos nossos governos que temos também o direito de ter nossas opiniões levadas a sério e consideradas. Quando se fala em juventude, o jovem é sempre o que vai criar problema ou então aquele que não tem nada a dizer. Acho que o trabalho do Major Group, nesse sentido, é tentar mudar essa visão. Mostrar que sim, há pessoas muito qualificadas avançando na área da economia verde e que têm soluções para trazer pra mesa”, apontou.
No entanto, apesar do discurso em torno da sustentabilidade, a própria conferência está sendo realizada de forma altamente impactante para o meio ambiente. Não só as lagoas em torno do Riocentro, local onde será realizada a Rio+20, estão cobertas de lixo e esgoto, como a quantidade de materiais tóxicos liberados na atmosfera pelos aviões que trarão os líderes mundiais é significativa. João e Kiara reconhecem a brecha, mas defendem o uso de medidas sustentáveis que vão atenuar o impacto. Entre elas, estão a proibição do uso de papel e a criação de plataformas online para que todos possam acompanhar e participar ativamente.
“Essa será a primeira conferência da Onu a ser feita sem papel. Estamos tentando levar isso também para a Youth Blast. Com as plataformas online, conseguimos não só reduzir o impacto, como ainda garantimos que as ideias locais consigam influenciar um processo global e que pode inspirar também processos locais. Nosso objetivo principal é inspirar as pessoas para que consigam criar suas próprias ações”, explicou Kiara.
Nas visitas realizadas em algumas escolas do Rio de Janeiro, os dois perceberam o desconhecimento dos jovens sobre o significado e a importância deles próprios neste processo. Mas a falta de conhecimento vai além. Para o secretariado da Onu, as pessoas tendem a acreditar que nada mudou desde a realização da primeira conferência de Estocolmo, há 40 anos. “Se você acompanha as negociações todo ano, percebe que as coisas mudam sim, mas não na mesma velocidade que gostaríamos. É importante criar mecanismos para acelerar esse processo e por isso queremos capacitar pessoas para ações locais, porque é isso que vai acelerar”, disse João.
Para ele, existe um falso entendimento de que a Onu deve cuidar de todos os problemas, quando na verdade as decisões finais são tomadas pelos governantes e cabe à população assumir a responsabilidade, cumprindo cada um o seu papel. Entre as reuniões já realizadas pelo Major Group, foram criados manuais sobre a participação dos jovens, que ensinam a levar as ideias trabalhadas na Rio+20 para as salas de aula e para a vida de cada um.
“Não adianta discutir sustentabilidade se ela não é praticada no cotidiano de cada um. Isso inclui coisas básicas de consciência de consumo. Se você vai ao supermercado, é importante saber que produto você está pegando e como foi feita a embalagem não só por causa do impacto ambiental. Aquela marca tem uma ética profissional ou usa mão de obra barata? E também, claro, pensar no que você vai fazer com o que produz. Como reutilizar as coisas? Reciclagem também gasta energia. É importante usarmos a criatividade: usar pote de geleia, fazer objetos com garrafa pet, montar coisas que tenham utilidade para não desperdiçar. As ações são pequenas, às vezes, podem fazer toda a diferença”, completou João.
Outro ponto bastante criticado pelos organizadores da Youth Blast é a retirada de qualquer menção ao termo "direitos humanos" do texto final. “É mais fácil desenvolver políticas que favoreçam o atual modelo político. É difícil para o governo responder às demandas reais da sociedade. Se eles assumem um compromisso desse, vão ter que assumir a responsabilidade por ações erradas que cometeram. O simples fato de se mencionar as duas palavrinhas no texto pode mudar tudo no contexto internacional”, afirmou Kiara.
A pouca participação de jovens nessas reuniões, em virtude da distância e dos custos altíssimos das viagens, mantém afastados as principais vítimas dos impactos ambientais, que é a própria sociedade civil. “Eu fico até um pouco revoltado porque eu vejo que as pessoas que conseguem ter acesso a essas reuniões para tomada de decisão são uma minoria que tem recursos, privilégios, mas que não são realmente as pessoas impactadas com o que a gente tá discutindo. Para mim, é um compromisso pessoal garantir que todo mundo tenha espaço e consiga ter uma voz”, defende João.
Além da Youth Blast, outros eventos marcam a participação dos jovens na Rio+20. Entre eles, o Juventudes na Rio+20, a ser realizado pela Eco em parceria com a Secretaria Nacional da Juventude e o Conselho Nacional da Juventude. Entre os dias 18 e 22 de junho, cerca de 400 jovens irão ocupar as instalações da Universidade, inclusive o campo de futebol, onde será montado um acampamento com mais de 2 mil jovens.
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